Eu tenho um PET: qual a minha prática budista?

Há alguns anos eu adotei dois filhotes de uma gata que apareceu por lá. Morava em um numa cidade do interior de SP e costumava frequentar seu Centro Budista Kadampa onde ela surgiu com uma barriga enorme, que mais tarde revelou conter 6 novas vidas.

As amáveis gestoras do Centro a acolheram e esforçaram-se para conseguir tutores responsáveis para todos eles incluindo a gata-mãe e eu escolhi dois filhotes para me acompanharem vida adentro. Sabia que assumia a responsabilidade por vários anos, mas também dos sentimentos de prazer que o convívio com os pets nos proporciona. Pets são animais domésticos que aceitam nosso habitat civilizado. Frequentemente os vemos como membros da família – em geral “filhos” – mas prefiro pensar numa parceria ganha-ganha, onde os dois lados encontram vantagens e benefícios na convivência.

As vantagens para eles são frequentemente reveladas pelos especialistas, como vida longa livre de predadores, alimentação disponível, boa saúde e proteção, entre outras. Para nós humanos também os especialistas se esmeram nos inúmeros benefícios, como redução do estresse, sentimentos de prazer, alívio da solidão, melhora da autoestima, senso de responsabilidade, empatia…

Do ponto de vista comum, podemos pensar que os seres humanos são os responsáveis por tudo o que existe na Terra. Todos os outros seres que habitam o planeta têm pouca capacidade de mudar a rota das coisas, nós humanos somos os únicos que podem interferir no caminho da história, e por isso nos cabe a responsabilidade por outros seres da natureza. Em termos civilizacionais, podemos, por exemplo, preservar a vida diante de elementos de extermínio, como a caça e a pesca e promover a proteção da fauna, flora ou ecologia. Mas numa dimensão espiritual podemos ir além.

Sempre me tocou o coração o olhar caloroso e protetor de Geshe Kelsang Gyatso em suas fotos com animais. E mais de uma vez ouvi dele – pessoalmente ou através de seus livros – que nós humanos devemos nunca abandoná-los e sempre protegê-los.
Graças a ele, consegui superar uma visão intuitiva e romântica e realizei o tanto de sofrimento que animais em geral experienciam em suas vidas.

Animais, frequentemente sentem fome e sede e são presas uns dos outros. Sempre estão à espreita de um perigo real ou imaginário que ameaça sua integridade. Não desfrutam de liberdade e frequentemente são usados por humanos como alimento e trabalho, além de riqueza e diversão. Animais não têm a oportunidade de alcançar a libertação do sofrimento, pois com sua condição mental limitada é muito difícil livrar-se de novos renascimentos inferiores, permeados de intenso sofrimento. Não podem abandonar não virtudes, praticar virtudes, nem buscar refúgio nos seres sagrados. Com os ensinamentos de Buda sobre o carma e a mente, aprendi que eu mesma já passei por estes sofrimentos no passado e criei muitas causas para experienciar ainda mais sofrimentos no futuro, pois além de uma crença tola, nada nos garante que não renasceremos em reinos permeados de intenso sofrimento.

Então, quando meus parceiros felinos sobem em minha cama em busca de conforto e proteção, eu me lembro do que Geshe-lá nos ensina: Respeitar sua condição, apreciar seus encantos sem apego, protegê-los mesmo que somente nesta vida e desejar fortemente nunca renascermos em estados desafortunados. Sim, eles são arautos de uma experiência mental muito próxima dos humanos, só que com mais sofrimento. Ao contemplar seus sofrimentos- incertezas, intenso medo, fome e sede, presos em renascimentos inferiores- humildade e compaixão surgem naturalmente em nosso coração: um trampolim para outras realizações espirituais como a Grande Compaixão, que engloba todos os seres- incluindo aqueles que possuem formas mais sutis de tormentos- e nos motiva a alcançar uma mente pura em prol de todos.

Então talvez você esteja pensando: E o apego? Aquela parte da nossa mente que considera um objeto como causa de felicidade e o deseja? Aquele momento em que você olha para o seu Pet, o vê como carente, intrinsicamente bonitinho e fofo, exagera suas belezuras e o poder de seu olhar cativante e considera-o como causa permanente de felicidade? Sentimos que estamos grudados com eles, que os possuímos e ficamos absorvidos neles… Ah, quando esse apego se instala, nossa mente invariavelmente torna-se agitada e descontrolada. O remédio para esse mal é reconhecê-los como mensageiros do reino animal, sua simples presença nos lembrando da condição de sofrimento à espreita. E da preciosa vida humana que ora desfrutamos, repleta de possibilidades.

Então, como os Pets nos ajudam em nossa prática espiritual? Nos lembrando de sempre contemplar os sofrimentos dos reinos inferiores e desejar fortemente nunca passar por eles. Podemos amá-los sinceramente, provendo suas necessidades básicas e desejando sinceramente que sejam felizes. Também gerar compaixão pelos seus sofrimentos, a base de realizações mais profundas. E sempre praticar paciência, quando eles nos pedem comida constantemente, quando destroem nossa almofada predileta ou enchem nosso sofá de pelos indesejáveis.

Ah, uma das vantagens ocultas de ter um Pet é que eles nos ensinam sobre a morte e o morrer. Como eles naturalmente vivem menos do que nós, é bem provável que sua partida para a próxima vida aconteça antes da nossa. Eles nos propiciam contemplar a certeza da morte e lembrar de que em breve seremos nós a partir e ingressar num novo corpo. Desta profunda reflexão, pode surgir um sentimento de urgência em nos dedicarmos mais e mais à nossa vida espiritual.

Então se aproveitarmos a humilde presença diária dos Pets em nossas vidas, podemos até reconhecê-los como mestres de sabedoria, portadores de inúmeras mentes virtuosas. Como são bondosos os animais! Com sua simples presença nos ajudam diariamente a desenvolver intenções tão elevadas!

Samira Pierri

Samira Pierri é professora do Programa Fundamental do CMK Mahabodhi e tem colocando em prática os ensinamentos de Venerável Geshe-la de maneira constante e crescente, manifestando seu sincero interesse em expandir o Dharma.
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