Centro de Meditação Kadampa Mahabodhi | Fundador Venerável Geshe Kelsang Gyatso Rinpoche

Dá para espantar esse mau humor?

Ficar mal-humorado atrapalha tudo, ao passo que estar bem humorado é uma maravilha. Quem não quer se sentir bem? De fato, nosso humor afeta diretamente tudo em nossa vida.

Antes de encontrar os ensinamentos de Buda, já percebia claramente que em alguns dias não estava tão bem como em outros, afinal é normal que coisas desagradáveis aconteçam e que isso afete nosso humor, mas nunca havia pensado na possibilidade de regular meu humor, de ser eu mesmo responsável pelo meu humor e bem-estar.

Não sei bem o motivo, ou onde aprendi isso, mas sempre achei que a forma como me sentia dependesse inteiramente das coisas exteriores, dos acontecimentos. Sempre aprendi a culpar todos e tudo, a encontrar desculpas esfarrapadas para minha infelicidade e não me responsabilizar por nada. “É que as coisas precisam estar bem para eu estar bem, se tudo está mal, tenho que esperar, não posso fazer nada, pois não há como ser feliz. Tenho que me cercar de pessoas agradáveis, estar num lugar bonito, comer comidas gostosas, etc.” Sempre persegui isso, como se a felicidade pudesse ser encontrada num lugar longínquo, numa pessoa, ou numa configuração misteriosa de vários elementos exteriores, uma verdadeira loteria das coisas, onde, se acertarmos a combinação perfeita, ganhamos o grande prêmio do bem-estar.

No fundo há uma grande confusão aqui.

Você é obrigado a ser feliz, seu ingrato!

Mas como você pode estar tão para baixo assim? Veja, o dia está lindo!

– Você está vivo, agradeça!

– Você tem tudo do bom e do melhor!

É esse tipo de coisa que comumente ouvimos e falamos. Parece que a felicidade é uma regra e que temos que acordar todos os dias e fingir que tudo está bem. Por acreditarmos nesse mito de que as circunstâncias exteriores têm o poder de determinar como nos sentimos, muitas pessoas acham que são ingratas ou pensam que fulano e ciclana são ingratos porque têm tudo na vida e mesmo assim não se sentem felizes, mas simplesmente não funciona assim! Se isso fosse verdade, que o que sentimos dependesse inteiramente das circunstâncias exteriores, então, todo mundo deveria se sentir bem quando tudo vai bem ou mal quando tudo vai mal, mas sabemos que não é isso que acontece.

Em seu livro, Como Solucionar nossos Problemas Humanos,  meu querido professor, Venerável Geshe Kelsang Gyatso, diz:

Nos últimos tempos, nosso conhecimento tecnológico cresceu consideravelmente e, como resultado, testemunhamos um notável progresso material, mas não um aumento correspondente da felicidade humana. Não há menos sofrimento no mundo de hoje nem menos problemas. Na verdade, podemos até dizer que hoje existem mais problemas e que os perigos são maiores do que nunca. Isso mostra que a causa de felicidade e a solução de nossos problemas não residem no conhecimento de coisas materiais. Felicidade e sofrimento são estados mentais e, portanto, sua causa principal não pode ser encontrada fora da mente. Se quisermos ser verdadeiramente felizes e nos livrar do sofrimento, temos que aprender a controlar nossa mente.

Um novo universo a ser explorado

Na verdade, tudo isso mostra que existe um universo a ser explorado em nosso próprio interior. Várias coisas estão acontecendo dentro de nós, em nossa mente, e são elas e não as situações exteriores que determinam como nos sentimos. Por exemplo, quando estamos bem, até as coisas que normalmente nos irritam deixam de nos irritar – ou não? – e, quando, infelizmente, não estamos tão bem, encontramos facilmente razões para nos irritar, reclamar, nos sentir péssimos em praticamente todos os lugares e com qualquer pessoa. A infelicidade toma conta de tudo.

Todos temos esse tipo de experiência que nos mostra que nossos estados mentais é que determinam como nos sentimos e não as coisas em si. Felicidade e sofrimento são estados mentais que dependem da nossa mente. O que fazer, então?

Eureka!

Quando entrei em contato com os ensinamentos budistas e comecei a meditar, logo percebi claramente duas coisas:

  1. Tenho acesso direto a esse universo interior e tudo que acontece na minha mente.
  2. Posso treinar minha mente. Aliás é exatamente isso que estou aprendendo detalhadamente nessas aulas do Centro Budista Kadampa que frequento.

Essas duas coisas me levaram à seguinte conclusão: eu sou responsável pelo meu bem estar, posso ser feliz independentemente das circunstâncias exteriores. Uau, que alívio e, ao mesmo tempo, que grande responsabilidade e desafio!

Só um pequeno detalhe importante: felizmente, para dar conta de uma responsabilidade tão grande, a de ser feliz de verdade, de solucionar meus problemas humanos, pude contar com o apoio de um Centro Budista, de professores e muitos colegas. Acho que sem isso teria sido muito difícil, quase impossível, me enveredar por esse caminho.

Voltando ao assunto, ser feliz de verdade, independentemente das circunstâncias exteriores, Geshe-la (forma carinhosa de se referir ao autor) também diz em Como Solucionar nossos Problemas Humanos:

Quando as coisas vão mal em nossa vida e encontramos situações difíceis, tendemos a considerar que a situação em si é o problema, mas, de fato, os problemas que experienciamos vêm do lado da mente. Se reagíssemos às situações difíceis com uma mente positiva e serena, elas não seriam difíceis para nós; poderiam até ser vistas como desafios ou oportunidades de crescimento e desenvolvimento. Problemas surgem apenas se reagirmos às dificuldades com um estado mental negativo. Portanto, se quisermos nos livrar dos problemas, temos que transformar nossa mente.”

Uma maneira simples de começar a treinar a mente

Agora, o que devemos fazer para reagir às situações difíceis com uma mente positiva?

Neste mesmo livro, meu professor ensina a prática da paciência e ele descreve paciência como uma mente que pensa “acolho de todo o coração qualquer acontecimento, abandonando a ideia de que as coisas deveriam ser diferentes daquilo que são.”

Paciência é uma mente capaz de aceitar, plena e alegremente, qualquer acontecimento. É muito mais do que apenas cerrar os dentes diante dos fatos ou conformar-se com as coisas. Ser paciente significa acolher de todo o coração qualquer acontecimento, abandonando a ideia de que as coisas deveriam ser diferentes daquilo que são. Sempre é possível ser paciente. Não há situação tão ruim que não possa ser aceita pacientemente, com um coração aberto, afável e apaziguado.

Quando a paciência está presente em nossa mente, é impossível que pensamentos funestos se instalem. Há numerosos exemplos de pessoas que conseguiram praticar paciência até em circunstâncias extremas, como ao serem torturadas ou sofrerem as dores de um câncer. Embora seus corpos estivessem irremediavelmente arruinados, no íntimo suas mentes se mantinham em paz. Aprendendo a aceitar as pequenas dificuldades e privações da vida diária, nossa capacidade de aceitação paciente vai aumentar e conheceremos, por experiência pessoal, a liberdade e a alegria que a verdadeira paciência traz.”

Geshe Kelsang Gyatso, Como Solucionar nossos Problemas Humanos, Editora Tharpa Brasil.

Você encontra este livro aqui: https://tharpa.com/br/csnph

Abandonar a ideia de que as coisas deveriam ser diferentes daquilo que são

Será que é possível fazer isso, abandonar a ideia de que as coisas deveriam ser diferentes daquilo que são, mudar essa chavinha na mente e pensar diferente diante das situações indesejáveis? Quando fiz minha investigação pessoal cheguei a conclusão de que sim, definitivamente poderia fazer isso – como não? –, afinal, nunca tive certeza de ser capaz de mudar uma situação exterior, de torná-la ideal, mas sempre tentei fazer isso e mesmo fracassando na maioria das vezes continuei tentando. Às vezes é possível melhorar as circunstâncias, muitas vezes não dá, mas definitivamente mudar a forma de reagir a determinadas situações, mudar a mente, isso podemos fazer e a probabilidade de conseguirmos fazer isso é infinitamente maior, então por que não tentar? Por que não fazer algo plausível e lógico para ficar bem, em paz, para que as coisas que normalmente nos incomodam deixem de incomodar e continuar insistindo em algo que não funciona, tentando e tentando novamente fazer as mesmas coisas difíceis, incertas, sem sentido, frustrantes e muitas vezes prejudiciais de sempre?

Até hoje uso essa pequena frase como um mantra, que de forma simples me permite cuidar do meu humor, da minha mente, sempre que percebo que ela está indo por um caminho ruim, o caminho da infelicidade.

Acolho de todo o coração qualquer acontecimento, abandonando a ideia de que as coisas deveriam ser diferentes daquilo que são.

No início, é preciso primeiro conseguir se lembrar desse ensinamento, o que não é tão simples assim porque somos muito distraídos. Depois temos que testá-lo várias vezes em situações onde nos sentimos infelizes – ou seja, vai ser necessário colocar energia e ter paciência para praticar paciência –, mas com o tempo vai ficando cada vez mais fácil de se lembrar  e praticar, ou seja, de se esforçar para “acolher de todo o coração qualquer acontecimento, abandonando a ideia de que as coisas deveriam ser diferentes do que são.” 

Com familiaridade vamos ser capazes de aumentar nossa paciência. Nossa mente vai ficar positiva, serena, leve e livre em situações onde antes éramos controlados pelas situações exteriores como marionetes. Nosso mal-humor aos poucos vai ceder, até ir embora.

Foi através dessa maneira simples de treinar minha mente e de meditações básicas que aprendi na Tradição Kadampa que me apaixonei pelos ensinamentos de Buda. Percebi que quanto mais coloco esses ensinamentos em prática, mais soluções fantásticas encontro. Espero que um dia, todas as pessoas tenham acesso a esses ensinamentos.

Kadam Milo

Professor Residente do Centro Budista Kadampa Lamrim, em Santos/SP, é discípulo do Venerável Geshe Kelsang Gyatso desde 2003, e tem ensinado extensivamente há mais de 15 anos. Kadam Milo é muito respeitado tanto como professor como praticante.
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