Por que nunca estou realmente satisfeito? Por que não fiz mais progressos? Sou incapaz de simplesmente ser feliz? O que há de errado comigo?
Geralmente culpo o mundo, a sociedade, o governo, Deus e até os 2,5 milhões de anos de evolução… Sempre acho que a culpa pelos meus problemas é dos outros, dos meus pais, dos meus filhos, da minha companheira ou companheiro, do meu chefe, dos meus funcionários.
Também culpo meu trabalho, minha educação, minha classe social, minha infância, meu DNA, sete gerações de antepassados… me convenço de que é devido às minhas dificuldades, ao meu estresse, às minhas feridas, aos meus traumas, aos meus sacrifícios e assim por diante…
Mas, no final, acabo pensando que talvez seja só eu o problema, que eu posso ter nascido com defeito de fabricação. Será que sou simplesmente incapaz de me fazer feliz?
Por que não consigo alcançar um verdadeiro contentamento? Sou um falso budista?
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É difícil não nos culpar, não nos sentir um impostor, não nos depreciar, não nos odiar. É desafiador resistir aos comportamentos autodestrutivos, é difícil não usar essa voz interior para nos julgar, nos insultar, nos diminuir, nos violentar, às vezes com uma dureza que nunca usaríamos com os outros. Como podemos justificar fazer isso a nós mesmos? Responderíamos que a gente merece isso, que é porque podemos realmente ver a pessoa horrível que somos, que é por causa desses impulsos negativos que nos invadem… impulsos egoístas, preguiçosos, raivosos, depressivos…
É tentador simplesmente fugir de nós mesmos com doses de açúcar, álcool e excessos de todos os tipos. Tudo para não estarmos mais em nossa própria companhia. Intoxicados para esquecer um pouco de nós.
Mesmo assim, nos esforçamos para melhorar! Ciclo após ciclo, tentamos encontrar maneiras de nos motivar e nos sentimos animados de novo. Criamos mais projetos, estabelecemos metas e conseguimos voltar a sonhar. Sentimos como se estivéssemos vivendo de novo, que a felicidade finalmente vai chegar.
Mas por que quando finalmente conseguimos o que tanto queríamos, o que tanto sonhávamos, a satisfação pela conquista não permanece e logo estamos desejando uma nova coisa?
Não consigo então, praticar o contentamento? Será que eu preciso sempre de algo mais?
Sim… só que não!
Buda explica a natureza dessa constante insatisfação. E que de fato todos nós sentimos isso. Não é exclusividade minha ou sua, infelizmente ela é comum a todos os seres vivos.
Ven. Geshe-la nos explica: “O samsara tem a característica do sofrimento e da insatisfação.”
Esta é a natureza do samsara – o estado psicológico onde nunca encontraremos a verdadeira satisfação. Por que?
Ven. Geshe-la nos ensina: “Desde tempos sem início até agora, nossa maneira de identificar nosso self tem sido equivocada.”
Buda explica que isso ocorre simplesmente porque nós nos identificamos de maneira incorreta. De fato, se a concepção de nós mesmos está constantemente fora da realidade, como trazer satisfação a uma concepção incorreta de nós mesmos? É querer satisfazer algo que não existe, que não se refere a nada. É como querer preencher um buraco sem fundo. Daí o sentimento de um self insaciável.
Ven. Geshe-la diz: “Para reduzir e, por fim, cessar completamente nossa experiência de sofrimento e problemas, que são semelhantes a alucinações, precisamos identificar corretamente nosso self.”
Nós não somos o problema, explica Buda. Pelo contrário, é o equívoco de nós mesmos que é o problema.
Ven. Geshe-la diz: “Não importa quão execráveis as delusões de uma pessoa possam ser, a verdadeira natureza da sua mente permanece imaculada, como o ouro puro.”
O objetivo da meditação é permitir que finalmente descubramos quem somos, nos identifiquemos corretamente e, em seguida, amadureçamos nosso verdadeiro potencial!
Ven. Geshe-la diz: “No coração até da mais cruel e degenerada pessoa existe o potencial para amor, compaixão e sabedoria ilimitados.”
Mas, se formos sinceros, meditando mesmo que por um curto período de tempo ou por vários anos, podemos pensar: “Não encontro satisfação. Eu me acalmo temporariamente, às vezes, sim; mas, ainda não estou satisfeito.”
Esta foi a minha experiência durante certamente os primeiros 15 anos da minha vida meditativa.
Depois de tentar tantas coisas tais como, trabalho, relacionamentos, viagens, etc., para satisfazer aquela representação de mim mesmo com a qual costumo me identificar, decidi optar pela meditação.
Como em cada uma das minhas novas paixões, a meditação parecia funcionar no início, mas logo depois de um tempo, eu estava de novo experimentando a mesma insatisfação e tentava culpar o método, o professor, o grupo, etc.. e chegava à conclusão de que eu deveria ser o problema. Voltava a me culpar, a me desvalorizar, a me sentir um impostor. Eu não admitia, mas…
Então, lendo e relendo muitas e muitas vezes as instruções do meu Guia Espiritual, Venerável Geshe-la sobre como me preparar para a meditação, e pedindo para que ele me ajudasse; o que estava escrito ali, desde o início, ganhou um significado mais profundo para mim:
Ven. Geshe-la diz: “A primeira etapa da meditação é interromper as distrações e fazer com que a nossa mente se torne mais clara e mais lúcida.”
Não é apenas sobre meditar corretamente ou controlar a mente que, finalmente um dia, seremos recompensados com uma experiência de profunda calma e contentamento interior, é sobre a natureza da nossa própria mente que já é extraordinariamente calma e contente… uma experiência de êxtase.
Ven. Geshe-la diz: “Quando o fluxo incessante dos nossos pensamentos distrativos é acalmado pela concentração na respiração, nossa mente se torna extraordinariamente lúcida e clara.”
O que precisa ser feito é simplesmente pacificar um pouco o fluxo habitual dos nossos pensamentos, seguindo por alguns minutos a sensação da nossa respiração, para nos permitir sentir a experiência de calma da nossa própria mente, perceber o espaço de clareza de onde nascem os pensamentos e reconhecer esse sentimento de calma e contentamento como a própria natureza, em todos os momentos, da nossa mente. Desse reconhecimento, então, simplesmente ter prazer em desfrutar desta calma natural.
Ven. Geshe-la diz: “Devemos permanecer nesse estado de serenidade mental por algum tempo.”
Deixe que toda a mente se absorva nesse estado até que somente tenhamos a experiência unifocalizada nessa tranquilidade e paremos de nos sentir separados desta calma, como se ela estivesse lá e nós aqui, tentando conquistá-la. Vamos nos identificar com esse espaço infinito de calma e clareza e identificar “eu” a essa experiência.
Então não precisaremos mais buscar satisfação. Podemos simplesmente pensar “eu” sobre a profunda satisfação que sempre esteve e sempre estará na natureza da nossa mente, na própria base de qualquer experiência.
Ven. Geshe-la diz: “Quando a turbulência dos pensamentos distrativos diminui e nossa mente se torna quieta e tranquila, uma felicidade e contentamento profundos surgem dela naturalmente.”
Agora posso treinar o dia inteiro, não apenas durante a meditação formal. Já que minha mente é satisfação, posso aproveitar tudo o que acontece no meu cotidiano para desenvolver ao máximo o ilimitado potencial benéfico da minha mente. Esse potencial indestrutível de sabedoria, compaixão e amor universal, que é a nossa maior capacidade mental.
Ven. Geshe-la diz: “Ao contrário das sementes das nossas delusões, que podem ser destruídas, esse potencial é absolutamente indestrutível e é a natureza pura e essencial de todo ser vivo.”
Este potencial é o que podemos chamar de nossa natureza búdica, nosso bem mais precioso, uma fonte de felicidade infinita para nós mesmos e para os outros.
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Samsara é, portanto, identificar-se incorretamente com aparências e concepções que são simplesmente errôneas. É por isso que o samsara é da natureza do sofrimento e da insatisfação.
Não há nenhuma razão válida para nos sentirmos impostores. Não siga suas falhas, limitações e impulsos negativos. Agora podemos nos identificar corretamente, a nós mesmos e aos outros, como esse ilimitado e indestrutível potencial benéfico, nossa natureza búdica.
Ven. Geshe-la diz: “Reconhecendo cada um como um futuro Buda, iremos naturalmente, através do amor e da compaixão, estimular esse potencial para que venha a amadurecer.”
Agora, podemos treinar a nos identificar corretamente e, desta forma, nos familiarizarmos com virtude. Neste momento, começamos, finalmente, a meditar “de verdade”.
Ven. Geshe-la diz: “Assim como o lodo pode sempre ser removido para revelar, então, a água clara e pura, as delusões podem também ser removidas para revelar a pureza e a clareza natural da nossa mente.”
A meditação não é um exercício para trazer satisfação, segurança ou valor para uma identificação incorreta de nós mesmos.
Antes de praticar a meditação, precisamos aprender a nos identificar corretamente.
A partir da identificação correta do nosso eu – nossa natureza búdica – nossa prática passará a ser mais pura e sincera, confiaremos mais nas nossas práticas diárias e apreciaremos mais espontaneamente nossa meditação.
E quando esse sentimento de ser um impostor surgir, reconheceremos que isso acontece pela força da familiaridade e tentaremos não nos identificar mais com essa aparência.
Ven. Geshe-la diz: “Ao reconhecer que temos delusões não devemos nos identificar com elas pensando “eu sou um egoísta, uma pessoa inútil” ou “eu sou uma pessoa raivosa”. Em vez disso, devemos nos identificar com o nosso potencial puro e desenvolver a sabedoria e a coragem de vencer nossas delusões.”
Citações de Ven. Geshe Kelsang Gyatso, ou Geshe-la, foram extraídos dos livros Como Solucionar Nossos Problemas Humanos, Como Transformar a Sua Vida e O Novo Manual de Meditação.