Você vive “na força do ódio”?

Todos os dias vejo nas redes sociais alguém postando que foi à academia ou treinou “na força do ódio”. Pessoas que estão no trabalho ou até mesmo em viagens ou postando dietas com essa mesma motivação. Confesso que não compartilho desse pensamento. 

Sabemos que a raiva (e seu derivado, o ódio) são sentimentos comuns a nós seres humanos e até mesmo a outros animais. Faz parte da nossa programação e até mesmo da nossa sobrevivência enquanto espécie. Mas viver à base do ódio é que acho difícil entender. Quando estou com raiva e vou fazer atividade física, frequentemente me machuco por estar com a minha mente agitada e desatenta. Trabalhar na força do ódio me parece uma estratégia certeira para criarmos problemas e desavenças. 

“Mas, Cecília, eu odeio mesmo fazer exercício, o único jeito é ir com raiva”. Será? Dessa maneira transformamos um momento de cuidado com a nossa saúde num tormento. O mesmo raciocínio se aplica às nossas atividades de trabalho, onde deveríamos refletir sobre o verdadeiro motivo de estarmos ali ao invés de adotar uma postura irritadiça por exemplo. Raiva em ambientes fechados é tão contagioso quanto gripes e resfriados. Preciso mesmo espalhar esse “vírus” por aí? 

Geshe Kelsang Gyatso, um mestre budista que dedicou sua vida a transmitir os ensinamentos de Buda de maneira simples e adaptada à nossa realidade ocidental, escreveu um livro intitulado “Como solucionar nossos problemas humanos”. Foi o primeiro livro dele que tive a chance de ler, e na época eu nem entendi direito. Basicamente, o livro fala sobre a raiva e seus malefícios. Sim, a raiva faz mal, é extremamente destrutiva e sabemos perfeitamente disso. Tente se lembrar de como você ficou no seu último episódio de raiva: descontrole, palavras que não deveriam ser ditas, ofender pessoas, colocar a si e aos outros em risco ou até mesmo se machucar (quem nunca chutou alguma coisa em que tropeçou que atire a primeira pedra). 

Estamos tão familiarizados com essas mentes que sequer imaginamos experimentar outras forças que poderiam nos mover. E o que aprendemos nesse livro (apenas leiam) é sobre paciência, um antídoto poderoso contra a raiva. Separei meu trecho favorito para dividir:

“Paciência é uma mente capaz de aceitar, plena e alegremente, qualquer acontecimento. É muito mais que apenas cerrar os dentes diante dos fatos ou conformar-se com as coisas. Ser paciente significa acolher de todo coração qualquer acontecimento, abandonando a ideia de que as coisas deveriam ser diferentes daquilo que são. Sempre é possível ser paciente. Não há situação tão ruim que não possa ser aceita pacientemente, com um coração aberto, afável e apaziguado”. 

Por favor, não entendam que devemos aceitar situações de injustiça ou violência sem as devidas atitudes, e sim que a nossa mente pode lidar com qualquer situação de uma maneira mais serena. É o que desejo a você, caro leitor: um coração aberto, afável, apaziguado, e livre da força do ódio. Vale a pena experimentar. 

Referência: Geshe Kelsang Gyatso. Como solucionar nossos problemas humanos: as quatro verdades. 4ª ed. São Paulo: Tharpa Brasil, 2018

Cecília Attux
Cecília é praticante Kadampa e procura aplicar os ensinamentos budistas na sua rotina. Como médica psiquiatra buscou no budismo novas maneiras de entender a mente, mas encontrou além disso um caminho de compaixão e sabedoria que deu um novo sentido à sua vida.

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